sexta-feira, 14 de abril de 2017

[Parte 1] O Contexto Histórico espanhol durante a produção da película "El Cid" (1961):

Olá leitores, a fim de inaugurarmos o blog, apresentaremos agora uma tripla reflexão em torno da película “El Cid”, dirigida em 1961 por Anthony Mann, a qual fora patrocinada diretamente pelo ditador Francisco Franco.  
Na primeira postagem, demonstraremos o contexto histórico da produção da película, em suma, a realidade política da Espanha ao iniciar os anos 1960, enquanto que na segunda e na terceira postagem analisaremos, respectivamente, os bastidores da produção da película e a mensagem transmitida pelo mesmo ao público espanhol.

            Comecemos então pela Parte I de nossa reflexão:

Seguramente não devemos negligenciar a realidade histórica que está por detrás da produção da película “El Cid” se nutrirmos como intento,  efetuar uma análise mais correta e em consonância com os interesses políticos e ideológicos vigentes no período. Somente assim será possível compreender tanto as ausências sentidas, como as presenças idealizadas ou transliteradas na montagem da narrativa da película.
Estamos tratando do conturbado anos 1960 da história espanhola. Tempos do generalíssimo Francisco Franco desde os finais dos anos 1930. Terminada a Segunda Grande Guerra, a única ditadura que permanecia de pé em solo europeu, era a franquista. Franco havia assistido a seus amigos de doutrina totalitária, Adolf Hitler e Benito Mussolini, definharem e morrerem com seus propósitos. Somente ele aparentemente havia sobrevivido.
            Para “sobreviver” na conjuntura do pós-segunda guerra mundial, o ditador espanhol Francisco Franco altera a sua estratégia de governo a partir dos anos 1960, substituindo a antiga política de “fechamento” para uma nova orientada pela “abertura” da Espanha aos olhares externos.
         Evidentemente que Francisco Franco não cedera em nenhum momento à possibilidade de construção de uma realidade democrática, uma vez que a alta repressão e a massacrante censura ideológica característica dos anos anteriores continuaria em vigência.
      Ao abrir a Espanha aos olhares estrangeiros, financiando, em primeira instância, o turismo em larga escala, e em segunda instância, a produção de películas em solo ibérico, o general Francisco Franco procurara, através destes meios de circulação de “estereótipos”, a sensação de que o que se vivia na Espanha não era tão horroroso como costumava se apontar.
No plano interno, objetivava-se atingir outros objetivos. Tratava-se de construir por meio destes mecanismos, a sensação de enorme orgulho por parte dos espanhóis frente ao pertencimento a uma nação tão bonita, coesa em toda a sua formação histórica e territorial, cujo passado e o presente caminhavam juntos em direção a um horizonte cada vez mais glorioso.
           Ao operar esta abertura aos olhares externos, Francisco Franco intenciona revitalizar a natureza de seu regime totalitário, orquestrando assim uma “renovação” que, indubitavelmente, não precisaria acarretar a perda do controle do poder em suas mãos.
      Entendendo o potencial desta solução, é que o generalíssimo Francisco Franco, ao contrário da forte censura, perseguição e desleixo oferecidos ao Cinema espanhol durante os anos 1940 – 1950, passa então a ver o Cinema como esse meio de propagação ideológica, mas de forma diferente do modus operandi exercido em tempos de guerra, quando as películas produzidas eram frutos locais, com todo o aparato artístico da própria Espanha, tendo é claro como principal característica, o alto teor nacionalista, muitas delas inspiradas no modelo alemão fornecido por “O Triunfo da Vontade” de Leni Riefenstahl.
            A atitude tomada por Franco é de habilíssima inteligência politica. Este observa então a incrível capacidade de aliança entre este olhar estrangeiro e o Cinema, o que obviamente teria seu fruto mais certo e imediato: a promoção do Cinema “estrangeiro” na Espanha, com a intenção é claro de produzir, além de obras que evidenciem a beleza histórica, geográfica e cultural hispânica, uma mais do que favorável imagem da Espanha através de um suposto isento olhar “externo”.
            Segue-se a isso, o lógico e imediato patrocínio do regime franquista a uma série de produções estrangeiras que desejavam alocar suas filmagens em solo ibérico.
Será neste palco de “abertura” a entrada de capital e de olhares estrangeiros que Francisco Franco procurará, em doses homeopáticas, moldar a sua imagem não somente dentro da Espanha, como também em todo o mundo. O Cinema, como mecanismo medular deste propósito, se torna então, mais uma vez, um excelente meio de configuração deste intento, contudo, nesta nova fase, não será o cinema local, espanhol, que dará suas caras. Será o Cinema “Hollywoodiano” quem desembarcará em solo ibérico, nutrindo-se desses interesses franquistas e associando-se num jogo de mutuas relações com o regime franquista.
            Partindo desta contextualização podemos compreender certamente porque, naquele dia 27 de dezembro de 1961, o generalíssimo Francisco Franco se encontrava emocionado em uma daquelas confortáveis poltronas do majestoso Cine Capitol de Madrid, durante a solenidade de exibição de uma película, que em especial, recebera mais do que necessário financiamento capital: El Cid.
Rodada em solo espanhol no ano de 1961 pelo renomado cineasta Anthony Mann e de produção do megalomaníaco Samuel Bronstein, esta película, com temática “estritamente local”, fora intensamente patrocinada e, por consequência, fiscalizada “a pente fino” pelo general Francisco Franco.
Qual objetivo o generalíssimo Franco nutrira com a sua produção?
Simples. Através da narração de um episódio em particular do passado heroico medieval espanhol, louvar a realidade ibérica em curso, e especialmente a sua própria imagem.
De que maneira atingiria este propósito?
Através de “menções” e associações subliminares contidas na película e igualmente a partir da representação utópica de fatos históricos espanhóis e, em um segundo caso, através da seleção, exclusão e posterior construção dos personagens da película, posto que a contagem dos presentes e dos ausentes personagens, como veremos na terceira postagem, pode-se observar os interesses nutridos e certamente os não nutridos por Francisco Franco a hora de patrocinar com tamanho empenho a este filme.


Referências Bibliográficas
PEREIRA, Daniela Ribeiro. Operação propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática (1939-1978). In: ABRÃO, Janete (org.). Espanha: política e cultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
SEMPERE, Isabel. La recreación de la biografia en el cine de Samuel Bronston. El caso de la preproducción de El Cid. Camarero (ed.) La biografia filmica: actas del Segundo Congreso Internacional de Historia y Cine. Madrid: TB editores, 2011.

Apresentação

Olá leitores! Este humilde blog, o “Cine Medievo”, nasce com o expresso propósito de destacar o modo como a Idade Média tem sido representada nas telas do Cinema. Apresentaremos então os nossos olhares acerca de uma gama de películas cuja história esteja ambientada no Medievo, atentando, em tais análises, não somente para o modo como as temáticas medievais – como as guerras, a fé e a Igreja, os Reinos, o Campesinato, a Cavalaria, etc. - são transpostas para a grande tela do cinema, mas como também para o contexto histórico de produção destas películas a fim de evidenciar o que esta latente nestes filmes deste Presente em curso.
Em outras palavras, buscaremos analisar as películas, não buscando nelas:
Não somente ilustração, confirmação ou o desmentido do outro saber que é o da tradição escrita. [tratando de] associá-lo com o mundo que o produz. [Trataremos, assim, de] analisar no filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa. [1]

Com este duplo artifício de leitura fílmica, evidenciaremos como “o filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História”. [2]


[1] FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: paz e Terra, 1992, p.86-88.
[2] Ibidem, p.86.