Olá
leitores, a fim de inaugurarmos o blog, apresentaremos agora uma tripla
reflexão em torno da película “El Cid”, dirigida em 1961 por Anthony Mann, a
qual fora patrocinada diretamente pelo ditador Francisco Franco.
Na
primeira postagem, demonstraremos o contexto histórico da produção da película,
em suma, a realidade política da Espanha ao iniciar os anos 1960, enquanto que
na segunda e na terceira postagem analisaremos, respectivamente, os bastidores
da produção da película e a mensagem transmitida pelo mesmo ao público
espanhol.
Comecemos
então pela Parte I de nossa reflexão:
Seguramente
não devemos negligenciar a realidade histórica que está por detrás da produção
da película “El Cid” se nutrirmos como intento, efetuar uma análise mais correta e em consonância
com os interesses políticos e ideológicos vigentes no período. Somente assim será
possível compreender tanto as ausências sentidas, como as presenças idealizadas
ou transliteradas na montagem da narrativa da película.
Estamos tratando
do conturbado anos 1960 da história espanhola. Tempos do generalíssimo Francisco
Franco desde os finais dos anos 1930. Terminada a Segunda Grande Guerra, a
única ditadura que permanecia de pé em solo europeu, era a franquista. Franco
havia assistido a seus amigos de doutrina totalitária, Adolf Hitler e Benito
Mussolini, definharem e morrerem com seus propósitos. Somente ele aparentemente
havia sobrevivido.
Para
“sobreviver” na conjuntura do pós-segunda guerra mundial, o ditador espanhol
Francisco Franco altera a sua estratégia de governo a partir dos anos 1960,
substituindo a antiga política de “fechamento” para uma nova orientada pela “abertura”
da Espanha aos olhares externos.
Evidentemente
que Francisco Franco não cedera em nenhum momento à possibilidade de construção
de uma realidade democrática, uma vez que a alta repressão e a massacrante
censura ideológica característica dos anos anteriores continuaria em vigência.
Ao
abrir a Espanha aos olhares estrangeiros, financiando, em primeira instância, o
turismo em larga escala, e em segunda instância, a produção de películas em
solo ibérico, o general Francisco Franco procurara, através destes meios de
circulação de “estereótipos”, a sensação de que o que se vivia na Espanha não
era tão horroroso como costumava se apontar.
No plano interno,
objetivava-se atingir outros objetivos. Tratava-se de construir por meio destes
mecanismos, a sensação de enorme orgulho por parte dos espanhóis frente ao
pertencimento a uma nação tão bonita, coesa em toda a sua formação histórica e
territorial, cujo passado e o presente caminhavam juntos em direção a um
horizonte cada vez mais glorioso.
Ao
operar esta abertura aos olhares externos, Francisco Franco intenciona
revitalizar a natureza de seu regime totalitário, orquestrando assim uma “renovação”
que, indubitavelmente, não precisaria acarretar a perda do controle do poder em
suas mãos.
Entendendo
o potencial desta solução, é que o generalíssimo Francisco Franco, ao contrário
da forte censura, perseguição e desleixo oferecidos ao Cinema espanhol durante
os anos 1940 – 1950, passa então a ver o Cinema como esse meio de propagação
ideológica, mas de forma diferente do modus
operandi exercido em tempos de guerra, quando as películas produzidas eram
frutos locais, com todo o aparato artístico da própria Espanha, tendo é claro
como principal característica, o alto teor nacionalista, muitas delas
inspiradas no modelo alemão fornecido por “O Triunfo da Vontade” de Leni
Riefenstahl.
A
atitude tomada por Franco é de habilíssima inteligência politica. Este observa
então a incrível capacidade de aliança entre este olhar estrangeiro e o Cinema,
o que obviamente teria seu fruto mais certo e imediato: a promoção do Cinema
“estrangeiro” na Espanha, com a intenção é claro de produzir, além de obras que
evidenciem a beleza histórica, geográfica e cultural hispânica, uma mais do que
favorável imagem da Espanha através de um suposto isento olhar “externo”.
Segue-se
a isso, o lógico e imediato patrocínio do regime franquista a uma série de
produções estrangeiras que desejavam alocar suas filmagens em solo ibérico.
Será neste
palco de “abertura” a entrada de capital e de olhares estrangeiros que Francisco
Franco procurará, em doses homeopáticas, moldar a sua imagem não somente dentro
da Espanha, como também em todo o mundo. O Cinema, como mecanismo medular deste
propósito, se torna então, mais uma vez, um excelente meio de configuração
deste intento, contudo, nesta nova fase, não será o cinema local, espanhol, que
dará suas caras. Será o Cinema “Hollywoodiano” quem desembarcará em solo
ibérico, nutrindo-se desses interesses franquistas e associando-se num jogo de
mutuas relações com o regime franquista.
Partindo
desta contextualização podemos compreender certamente porque, naquele dia 27 de
dezembro de 1961, o generalíssimo Francisco Franco se encontrava emocionado em
uma daquelas confortáveis poltronas do majestoso Cine Capitol de Madrid, durante
a solenidade de exibição de uma película, que em especial, recebera mais do que
necessário financiamento capital: El Cid.
Rodada em
solo espanhol no ano de 1961 pelo renomado cineasta Anthony Mann e de produção
do megalomaníaco Samuel Bronstein, esta película, com temática “estritamente
local”, fora intensamente patrocinada e, por consequência, fiscalizada “a pente
fino” pelo general Francisco Franco.
Qual
objetivo o generalíssimo Franco nutrira com a sua produção?
Simples.
Através da narração de um episódio em particular do passado heroico medieval espanhol,
louvar a realidade ibérica em curso, e especialmente a sua própria imagem.
De que
maneira atingiria este propósito?
Através de “menções”
e associações subliminares contidas na película e igualmente a partir da
representação utópica de fatos históricos espanhóis e, em um segundo caso,
através da seleção, exclusão e posterior construção dos personagens da película,
posto que a contagem dos presentes e dos ausentes personagens, como veremos na
terceira postagem, pode-se observar os interesses nutridos e certamente os não
nutridos por Francisco Franco a hora de patrocinar com tamanho empenho a este
filme.
Referências
Bibliográficas
PEREIRA, Daniela Ribeiro. Operação
propaganda! O cinema espanhol: do Franquismo à Transição Democrática
(1939-1978). In: ABRÃO, Janete (org.). Espanha: política e cultura. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2010.
SEMPERE, Isabel. La recreación de la biografia en el cine de Samuel Bronston. El caso de la preproducción de El Cid. Camarero (ed.) La biografia filmica: actas del Segundo Congreso Internacional de Historia y Cine. Madrid: TB editores, 2011.